quarta-feira, 19 de maio de 2010

Fernando Sarney fraudou operação, diz Polícia Federal

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Relatório final de investigação revela que Fernando Sarney lavou e repatriou US$ 1 milhão enviado ao exterior de forma ilegal; ele nega 

Fernando, segundo a PF, usou conta nas Bahamas para quitar dívida de grupo do Piauí com chinês e, em troca, recebeu o similar em reais

LEONARDO SOUZA
Da Folha de S. Paulo


O empresário Fernando José Macieira Sarney – filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP) – lavou e repatriou US$ 1 milhão enviado ilegalmente para fora do país, diz a Polícia Federal (PF). Ele usou um esquema fraudulento de comércio exterior para trazer o dinheiro de volta ao Brasil. A conclusão consta de um dos inquéritos da Polícia Federal oriundos da Operação Boi Barrica (rebatizada Faktor).

A Folha de S. Paulo revelou no final de março que a PF suspeitava desse tipo de transação envolvendo Fernando. Agora os policiais afirmam, no relatório final da investigação, ter comprovado que a operação foi feita.


De acordo com a PF, o filho do presidente do Senado usou recursos de uma conta nas Bahamas, não declarada à Receita Federal, para quitar uma dívida de um grupo empresarial do Piauí com um exportador chinês. Em troca, Fernando recebeu no Brasil o equivalente ao dinheiro depositado lá fora.
O mecanismo é chamado de dólar-cabo, instrumento financeiro operado por doleiros aos quais brasileiros que têm contas ilegais no exterior recorrem quando precisam dos recursos em reais aqui no país.
Fernando Sarney e o piauiense Paulo Guimarães: Polícia Federal vê vínculo entre eles

Por conta desse artifício, Fernando Sarney foi indiciado, na semana retrasada, sob acusação de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. No mesmo inquérito foi indiciado, sob acusação de crime contra a ordem tributária, um empresário piauiense que também teria feito parte do esquema, segundo a PF. Fernando Sarney nega ter cometido irregularidades.

China – Conforme a Folha revelou em março, o governo chinês confirmou às autoridades brasileiras que Fernando opera uma conta nas Bahamas, conhecido paraíso fiscal, e que dessa conta transferiu, no início de 2008, US$ 1 milhão a um fabricante de peças e acessórios de motocicletas da China.

A partir das informações prestadas pelos chineses, a PF refez o caminho do dinheiro. Segundo o inquérito, o grupo empresarial piauiense teria feito uma importação subfaturada de peças de motocicleta da Prestige Cycle Parts & Accessories, localizada na província chinesa de Qingdao. O grupo teria pago somente uma parte da compra pelas vias legais (a Folha não conseguiu precisar todos os valores envolvidos). A outra parcela (US$ 1 milhão) foi quitada por Fernando. Segundo a PF, a empresa piauiense de motocicletas há anos faz importações da China. De um modo geral, a operação financeira funcionou da seguinte forma, segundo a investigação: supondo que a importação que teria sido feita pelo grupo do Piauí tenha custado US$ 1,5 milhão. No contrato de câmbio, devidamente registrado no Banco Central, o grupo teria informado uma compra de apenas US$ 500 mil. Faltaria ao exportador receber, portanto, US$ 1 milhão. Na outra ponta entra Fernando Sarney, transferindo o dinheiro para a conta da companhia chinesa. No Brasil, Fernando recebe os recursos convertidos em reais do caixa dois da empresa do Piauí, de modo que nenhum dos dois recolham ao fisco os devidos impostos.

Essa não foi a única movimentação financeira realizada pelo filho do presidente do Senado lá fora sem informar à Receita. No final de março, foi revelado pela imprensa que a Suíça congelou uma conta operada por Fernando naquele país no valor de US$ 13 milhões. O bloqueio ocorreu quando ele tentava transferir parte dos recursos para Liechtenstein, paraíso fiscal.

Empresário tem negado acusações

A reportagem não conseguiu, na segunda-feira, contato nem com os advogados de defesa nem com o empresário Fernando Sarney.

Nos últimos meses, Fernando tem negado irregularidades e se recusado a comentar as acusações da Polícia Federal alegando que os inquéritos que envolvem o seu nome correm em segredo de Justiça.

Segundo o empresário, o vazamento do conteúdo dos inquéritos é criminoso.
 
No começo deste mês, quando Fernando Sarney foi indiciado pela Polícia Federal por evasão de divisas e lavagem de dinheiro, o advogado do empresário, Eduardo Ferrão, confirmou que seu cliente havia prestado depoimento à PF, mas disse que não tinha informações sobre o indiciamento.

Fernando Sarney disse no começo de março que a imprensa trata de suas movimentações financeiras de forma "truncada e dissociada da realidade".

"Por essa razão, seguindo orientação dos meus advogados, e até mesmo em respeito ao sigilo estabelecido pela própria Justiça, não me pronunciarei a respeito", disse o empresário na ocasião.

(FSP)
Revista Época revelou elo entre Fernando e empresário do PI
Paulo Guimarães, o PG, é antigo parceiro de Fernando Sarney no mundo dos negócios

POR OSWALDO VIVIANI

Todos os indícios e provas levantados nas investigações da Operação Boi Barrica indicam que o grupo empresarial do Piauí que ajudou Fernando Sarney na transação de lavagem de dinheiro conhecida como “dólar-cabo” seria o do empresário Paulo Delfino Fonseca Guimarães, conhecido como o PG. Ele é dono de emissoras de televisão e jornais [grupo Meio Norte, de Teresina], de uma das maiores distribuidoras de medicamentos do país e de mais 15 empresas.

Em julho do ano passado, logo após Fernando Sarney ser indiciado por quatro crimes – formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e gestão de instituição financeira irregular –, a revista Época revelou o elo entre Fernando e PG.

A reportagem, de autoria de Andrei Meireles e Ricardo Mendonça, primeiramente resgata os aspectos principais das investigações Operação Boi Barrica – divulgada em primeira mão pelo Jornal Pequeno em 28 de setembro de 2008. Em seguida, trata das relações entre Fernando Sarney e Paulo Guimarães – este classificado como “um espectro que assombra a família Sarney há uma década” e “antigo parceiro de Fernando Sarney no mundo dos negócios”.

Reveja o trecho principal da reportagem da Época, já reproduzida no ano passado pelo JP.

O indiciamento de Fernando Sarney se deve à Operação Boi Barrica, uma investigação aberta pela Polícia Federal em fevereiro de 2007 a partir de um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), ligado ao Ministério da Fazenda. O Coaf detectou movimentações atípicas nas contas bancárias de Fernando e sua mulher, Teresa - como saques em espécie de R$ 2 milhões -, às vésperas das eleições de 2006. Naquele ano, Roseana Sarney disputou e perdeu as eleições para o governo do Maranhão. Só tomou posse no cargo neste ano [2009] depois da cassação do adversário Jackson Lago pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A investigação da Operação Boi Barrica - nome de um grupo de bumba-meu-boi que tem os Sarney como padrinhos - se desdobrou em cinco inquéritos. Fernando Sarney e Teresa foram indiciados no inquérito em fase mais adiantada para a conclusão - o que trata das relações entre as empresas de comunicação da família Sarney, o Grupo Mirante, e a São Luís Factoring. A empresa de factoring foi criada por Teresa Sarney, tem sede no mesmo local das empresas da família Sarney, não tem clientes, mas chegou a movimentar R$ 11,6 milhões em 2006, segundo um relatório da Polícia Federal. A suspeita dos investigadores é que a empresa de factoring tenha sido criada apenas para simular operações do grupo Sarney, reduzir a base de cálculo de tributos e sonegar impostos.

‘Turma da Poli’ - O inquérito mais embaraçoso para Sarney e o filho Fernando, porém, não é esse. É o que mostra, no entendimento da Polícia Federal, que Fernando Sarney manipulava licitações públicas, desviava dinheiro de obras públicas e mantinha negócios ilícitos à sombra do Estado, aproveitando-se da influência e do poder do pai. Com base em interceptação de telefonemas, e-mails e documentos apreendidos graças a quebras de sigilo autorizadas pela Justiça, a PF diz ter detectado uma “organização criminosa” dentro da administração pública federal. Ela teria sido montada por Fernando Sarney, um engenheiro eletricista formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), com o apoio de seus antigos colegas de faculdade, a turma da Poli de 1978 (tema da reportagem “O grupo da Poli de 78”, publicada por Época em 10 de outubro de 2008).

A turma é formada, entre outros, por Astrogildo Quental, diretor financeiro e de relações com investidores da Eletrobrás, estatal do setor elétrico que movimenta cerca de R$ 6 bilhões por ano, e Ulisses Assad, [ex-diretor de engenharia da Valec, uma estatal ligada ao Ministério dos Transportes, responsável pela Ferrovia Norte-Sul; foi exonerado no mês passado]. A investigação da PF tem transcrições de conversas em que Fernando Sarney discute com amigos nomeações para a Eletrobrás. Segundo a PF, outros dois ex-colegas de Poli de Fernando Sarney - Gianfranco Perasso e Flávio Barbosa Lima - teriam montado empresas de consultoria de fachada para negócios com empresas públicas. Em uma conversa captada pela PF, Gianfranco comemora a nomeação de Ronaldo Braga para a diretoria comercial da Manaus Energia, uma empresa do grupo Eletrobrás, obtida graças à influência de Sarney.

Movimentações no exterior – Em poder da PF, há também documentos que registram movimentações financeiras de Fernando Sarney no exterior e mencionam contas em paraísos fiscais do Caribe, como as Bahamas e as Ilhas Virgens Britânicas. A transação mais intrigante (publicada por Época em outubro de 2008) é uma transferência de US$ 1 milhão, autorizada com a assinatura de Fernando Sarney, para uma conta no banco Hong Kong and Shanghai Banking, na China. A remessa foi intermediada pelo banco HSBC, nos EUA, e teve como beneficiário final uma empresa de nome Prestige Cycle Parts & Accessories Limited. Para tentar decifrar a natureza dessa transferência, os investigadores da PF e do Ministério Público Federal pediram a colaboração do governo chinês. Em um de seus relatórios, os delegados da PF deixam transparecer que a remessa para a China teria relação com uma antiga parceria que Fernando Sarney mantém no mundo dos negócios com o empresário Paulo Delfino Fonseca Guimarães, conhecido como o PG.

O espectro de PG - Paulo Guimarães é um fantasma que assombra a família Sarney há uma década. Ele é dono de emissoras de televisão e jornais [grupo Meio Norte, de Teresina], de uma das maiores distribuidoras de medicamentos do país e de mais 15 empresas. Ele ganhou notoriedade há dez anos. Seu bingo Poupa Ganha, um de seus mais rentáveis empreendimentos, virou um escândalo ao ser acusado de lesar os clientes, lavar dinheiro e sonegar impostos. O bingo fechou depois de uma devassa da Receita Federal. Filho de um político [Napoleão Guimarães] que por três vezes foi prefeito de Timon, município do Maranhão na divisa com o Piauí, PG sempre teve ligações com o clã Sarney. José Sarney é seu padrinho. Fernando, seu amigo e sócio.
Paulo Guimarães costumava se exibir como um representante dos Sarney no Piauí. Fernando era passageiro habitual de seus dois helicópteros e de um Learjet 55. Os dois eram sócios em vários negócios. Até hoje, PG tem a concessão de um canal de televisão cuja sede é a TV Mirante, a emissora da família Sarney no Maranhão. Em Codó, município do Maranhão, uma emissora de TV está registrada em nome de Teresa Murad Sarney (mulher de Fernando) e da mãe de PG.

Depois de Paulo Guimarães virar alvo de investigação do Ministério Público, da Receita Federal e da CPI do Narcotráfico, Fernando Sarney espalhou em São Luís que não fazia mais negócios com o antigo parceiro. O próprio PG foi morar em Miami, onde diz a amigos que vive de renda. Em março do ano passado [2008], a Polícia Federal descobriu que a parceria não foi desfeita. Numa conversa por telefone, gravada com ordem judicial, Fernando Sarney trata de negócios com PG.

Quando o assunto fica mais delicado, Fernando, preocupado com o grampo telefônico, diz a PG para continuar a conversa por mensagem de texto com outra pessoa. Em seguida, Fernando liga para sua secretária e pede a ela que informe a PG que a mensagem deveria ser encaminhada a Ana Clara, a filha de Fernando que mora em São Paulo e é um dos alvos da investigação da Operação Boi Barrica. O próprio Fernando telefona para Ana Clara e avisa que Paulo Guimarães, que “está tratando daquele negócio”, vai entrar em contato com ela.

No dia 4 de março de 2008, a Polícia Federal grampeou a troca de mensagens entre PG e Ana Clara. De acordo com a transcrição registrada no inquérito, a conversa que Fernando Sarney não queria ter por telefone ocorreu assim por e-mail:

Paulo Guimarães - Você quer receber aí no Rural (suposta referência ao Banco Rural) na próxima semana ou junto aqui e até a próxima semana pega aqui tudo de uma vez, você que escolhe.

Ana Clara - Como seria essa entrega aqui? Quem pegaria? Como seria feito?

Paulo Guimarães - Duas carradas de leite Ninho e duas de Perlagon preços da Nestlé com nota fiscal do distribuidor do Piauí, você arranja quem pega aí.

Ana Clara - Me lig de um bom n. (A transcrição em poder da PF é feita dessa forma, mas depreende-se que o sentido da frase é “me liga de um bom número.)

No relatório da PF, os delegados afirmam que “as mensagens transcritas, embora cifradas, denotam, pela situação em si, não se tratar de algo lícito, até pela maneira como buscaram se evadir”. A revista Época ouviu quatro pessoas que tiveram funções estratégicas nas empresas de Paulo Guimarães e duas ligadas à família Sarney que dizem conhecer os negócios de Fernando. Todos falaram sob a condição de não serem identificados. De acordo com eles, Fernando e PG são sócios em algumas empresas de comunicação e manteriam parcerias em outros empreendimentos de PG. Segundo uma das fontes, os negócios dessa parceria hoje seriam administrados por Ana Rosa Fonseca Guimarães Souza, irmã de PG.

Negócios milionários - Registros em cartórios, juntas comerciais, Receita Federal e processos na Justiça mostram como PG tornou-se especialista em manipular ativos e passivos de empresas para concentrar as dívidas em firmas falidas e esconder os verdadeiros donos de negócios milionários. No papel, todos os seus empreendimentos estão em nome de quatro empresas com registro na mesma caixa postal nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal. Nos registros da holding do grupo empresarial de Paulo Guimarães, os sócios são a offshore Valspar, com 99,9% das cotas, e a irmã Ana Rosa Guimarães, com 0,1%, que também é procuradora da Valspar.

Por causa de dívidas milionárias com a Receita Federal e o INSS (cerca de R$ 210 milhões), os negócios de PG também foram investigados pela Procuradoria Federal da União. No processo enviado à Justiça, a procuradora federal Auzeneide Maria da Silva Wallraf esmiúça essa troca de controle acionário. “O esquema é engenhoso. O alvo é claro, disfarçar, esconder a responsabilidade do diretor-presidente, demais dirigentes, sócios e administradores (pessoas físicas e jurídicas)”, afirma a procuradora Auzeneide Wallraf em petição à Justiça, na qual pediu o bloqueio de bens de todas as empresas do grupo Paulo Guimarães.

Nenhum comentário:

Postar um comentário