Assim falou o fundador do PT, Manoel da Conceição. Ele fez greve de fome contra a aliança com Sarney no Maranhão e obrigou a cúpula do partido a recuar
LEONEL ROCHA
Reprodução
A estratégia montada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tentar fazer a ex-ministra Dilma Rousseff sua sucessora prevê uma série de sacrifícios para o PT. Em troca do apoio a Dilma, o PMDB indicou o vice na chapa nacional e ainda tem preferência nas candidaturas a governador. Em vários Estados, nomes importantes do PT desistiram de concorrer ao governo para fortalecer aliados peemedebistas.
As pressões feitas pelo comando nacional do PT para fazer valer a vontade de Lula tiveram êxito em quase todos os Estados. No Maranhão, no entanto, o projeto eleitoral do Planalto se transformou em um enorme constrangimento para o presidente. No dia 11, o líder de trabalhadores rurais Manoel da Conceição entrou em greve de fome no plenário da Câmara para protestar contra a imposição do apoio à reeleição da governadora Roseana Sarney, do PMDB, filha do presidente do Senado, José Sarney. Ao lado dele, também em greve de fome, estava o deputado Domingos Dutra (PT-MA).
Felipe Barra
PROTESTO VITORIOSO
Manoel da Conceição (à esq.) e Domingos Dutra no plenário da Câmara. Militantes históricos resistiram à aliança com Sarney
Os petistas do Maranhão combateram a família Sarney nas últimas décadas e a maioria se recusa a mudar de posição para atender às conveniências de Dilma. Em março, o diretório estadual decidiu, por diferença de dois votos, apoiar a candidatura do deputado Flávio Dino, do PCdoB, a governador. A ala derrotada ocupa quatro secretarias no governo de Roseana.
Manoel da Conceição tem 75 anos e uma das biografias mais simbólicas do PT. Em 1980, ao lado de Lula, foi um dos cinco signatários do pedido de registro do partido no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A presença dele na fundação do PT se deve à atuação no movimento de trabalhadores rurais desde a década de 1950. Analfabeto, Mané abraçou a bandeira da reforma agrária e foi responsável pela criação de cinco sindicatos rurais no interior do Maranhão. Nos anos seguintes, aliou-se ao jovem José Sarney, da UDN, contra o governador Vitorino Freire, do PSD.
Depois que Sarney se elegeu governador, em 1966, o sindicalista voltou para a oposição. Acusou Sarney de não cumprir a promessa de fazer reforma agrária. Em 1968, a Polícia Militar cercou o sindicato de Pindaré Mirim. Manoel levou um tiro de fuzil na perna e foi preso. Após seis dias na cadeia sem atendimento médico, a ferida virou uma gangrena e a perna foi amputada. Sarney se encontrava no Japão e, ao voltar, mandou o governo dar assistência ao sindicalista e à família.
Manoel foi preso várias vezes antes e depois do golpe militar de 1964. Participou da Ação Popular (AP), organização de esquerda ligada à Igreja Católica. Muito torturado, foi expulso do país em 1976 e morou na Suíça até 1979. Anistiado, voltou e se juntou a Lula na reorganização dos sindicatos e na criação do PT e da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Na década de 1980, os dois sindicalistas às vezes dormiam no mesmo quarto. Eram tão íntimos que Lula, de brincadeira, escondia a perna mecânica de Mané enquanto ele dormia. O maranhense chamava Lula de “Baiano”, tratamento dado aos imigrantes nordestinos que iam trabalhar em São Paulo.
Três décadas depois das brincadeiras, Mané tem muitas reclamações do presidente da República. “Estou muito decepcionado com Lula. Ele está nos obrigando a entregar o PT a Sarney depois de 30 anos de luta”, diz. Manoel da Conceição enviou a Lula uma carta em que relata massacres sangrentos de familiares e amigos ao longo de 50 anos de luta pela reforma agrária. Manoel diz que compreende o “malabarismo” que Lula tem de fazer para governar, mas lamenta o custo das alianças. “Companheiro, tudo precisa ter algum limite, e tal limite é nossa dignidade.”
Manoel da Conceição sofre de diabetes e precisa tomar cinco remédios por dia. Durante os primeiros cinco dias de greve de fome, ele só ingeriu água. Passou mal na quarta-feira e tomou soro no ambulatório da Câmara. Manoel suspendeu a greve no mesmo dia na esperança de que a cúpula petista aceitasse uma proposta de acordo, mas retomou o protesto na quinta-feira porque não teve resposta. Um acordo foi, finalmente, fechado na sexta-feira. Os dois petistas do Maranhão encerraram a greve e comemoraram uma vitória. Ficou acertado que a maioria do partido no Maranhão poderá apoiar Dino em uma frente ampla com PSB, PDT e PCdoB. Terminada a greve, Manoel da Conceição foi internado no Incor de Brasília, enquanto o deputado Dutra seguiu para a emergência da Câmara.
A crise no Maranhão aumentou os problemas provocados pela aliança nacional entre PT e PMDB. Em Minas Gerais, a ex-deputada Sandra Starling, outra militante histórica, chamou Lula de “caudilho” por impor o acordo e se desfiliou do PT. Durante a greve, defensores da aliança atacaram os que não a aceitam. O ex-presidente do PT José Genoíno (SP) acusou Manoel da Conceição e Domingos Dutra de fazer o jogo da oposição. O atual presidente do PT, José Eduardo Dutra, trabalhou para acabar com o protesto. Ele se preocupava com Manoel da Conceição. Para a campanha de Dilma, um agravamento dos problemas de saúde do velho sindicalista poderia ter consequências incalculáveis.
LEONEL ROCHA
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A estratégia montada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tentar fazer a ex-ministra Dilma Rousseff sua sucessora prevê uma série de sacrifícios para o PT. Em troca do apoio a Dilma, o PMDB indicou o vice na chapa nacional e ainda tem preferência nas candidaturas a governador. Em vários Estados, nomes importantes do PT desistiram de concorrer ao governo para fortalecer aliados peemedebistas.
As pressões feitas pelo comando nacional do PT para fazer valer a vontade de Lula tiveram êxito em quase todos os Estados. No Maranhão, no entanto, o projeto eleitoral do Planalto se transformou em um enorme constrangimento para o presidente. No dia 11, o líder de trabalhadores rurais Manoel da Conceição entrou em greve de fome no plenário da Câmara para protestar contra a imposição do apoio à reeleição da governadora Roseana Sarney, do PMDB, filha do presidente do Senado, José Sarney. Ao lado dele, também em greve de fome, estava o deputado Domingos Dutra (PT-MA).
Felipe Barra
PROTESTO VITORIOSO
Manoel da Conceição (à esq.) e Domingos Dutra no plenário da Câmara. Militantes históricos resistiram à aliança com Sarney
Os petistas do Maranhão combateram a família Sarney nas últimas décadas e a maioria se recusa a mudar de posição para atender às conveniências de Dilma. Em março, o diretório estadual decidiu, por diferença de dois votos, apoiar a candidatura do deputado Flávio Dino, do PCdoB, a governador. A ala derrotada ocupa quatro secretarias no governo de Roseana.
Manoel da Conceição tem 75 anos e uma das biografias mais simbólicas do PT. Em 1980, ao lado de Lula, foi um dos cinco signatários do pedido de registro do partido no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A presença dele na fundação do PT se deve à atuação no movimento de trabalhadores rurais desde a década de 1950. Analfabeto, Mané abraçou a bandeira da reforma agrária e foi responsável pela criação de cinco sindicatos rurais no interior do Maranhão. Nos anos seguintes, aliou-se ao jovem José Sarney, da UDN, contra o governador Vitorino Freire, do PSD.
Depois que Sarney se elegeu governador, em 1966, o sindicalista voltou para a oposição. Acusou Sarney de não cumprir a promessa de fazer reforma agrária. Em 1968, a Polícia Militar cercou o sindicato de Pindaré Mirim. Manoel levou um tiro de fuzil na perna e foi preso. Após seis dias na cadeia sem atendimento médico, a ferida virou uma gangrena e a perna foi amputada. Sarney se encontrava no Japão e, ao voltar, mandou o governo dar assistência ao sindicalista e à família.
Manoel foi preso várias vezes antes e depois do golpe militar de 1964. Participou da Ação Popular (AP), organização de esquerda ligada à Igreja Católica. Muito torturado, foi expulso do país em 1976 e morou na Suíça até 1979. Anistiado, voltou e se juntou a Lula na reorganização dos sindicatos e na criação do PT e da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Na década de 1980, os dois sindicalistas às vezes dormiam no mesmo quarto. Eram tão íntimos que Lula, de brincadeira, escondia a perna mecânica de Mané enquanto ele dormia. O maranhense chamava Lula de “Baiano”, tratamento dado aos imigrantes nordestinos que iam trabalhar em São Paulo.
Três décadas depois das brincadeiras, Mané tem muitas reclamações do presidente da República. “Estou muito decepcionado com Lula. Ele está nos obrigando a entregar o PT a Sarney depois de 30 anos de luta”, diz. Manoel da Conceição enviou a Lula uma carta em que relata massacres sangrentos de familiares e amigos ao longo de 50 anos de luta pela reforma agrária. Manoel diz que compreende o “malabarismo” que Lula tem de fazer para governar, mas lamenta o custo das alianças. “Companheiro, tudo precisa ter algum limite, e tal limite é nossa dignidade.”
Manoel da Conceição sofre de diabetes e precisa tomar cinco remédios por dia. Durante os primeiros cinco dias de greve de fome, ele só ingeriu água. Passou mal na quarta-feira e tomou soro no ambulatório da Câmara. Manoel suspendeu a greve no mesmo dia na esperança de que a cúpula petista aceitasse uma proposta de acordo, mas retomou o protesto na quinta-feira porque não teve resposta. Um acordo foi, finalmente, fechado na sexta-feira. Os dois petistas do Maranhão encerraram a greve e comemoraram uma vitória. Ficou acertado que a maioria do partido no Maranhão poderá apoiar Dino em uma frente ampla com PSB, PDT e PCdoB. Terminada a greve, Manoel da Conceição foi internado no Incor de Brasília, enquanto o deputado Dutra seguiu para a emergência da Câmara.
A crise no Maranhão aumentou os problemas provocados pela aliança nacional entre PT e PMDB. Em Minas Gerais, a ex-deputada Sandra Starling, outra militante histórica, chamou Lula de “caudilho” por impor o acordo e se desfiliou do PT. Durante a greve, defensores da aliança atacaram os que não a aceitam. O ex-presidente do PT José Genoíno (SP) acusou Manoel da Conceição e Domingos Dutra de fazer o jogo da oposição. O atual presidente do PT, José Eduardo Dutra, trabalhou para acabar com o protesto. Ele se preocupava com Manoel da Conceição. Para a campanha de Dilma, um agravamento dos problemas de saúde do velho sindicalista poderia ter consequências incalculáveis.
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