Por Flávio Dino
Até cinco anos atrás, quem não tinha computador em casa ou no trabalho no Brasil podia se considerar um "sem internet" pois, fora dessas duas hipóteses, praticamente não havia condições de acesso à rede mundial que vem revolucionando as relações humanas. Mas então um fenômeno que nasceu nos Estados Unidos chegou com força ao nosso país e transformou-se num importante instrumento não só de inclusão digital mas também social, cujo poder de transformação somente agora começa a ser percebido.
São as lan houses, pequenas salas comerciais que locam o uso de computadores com acesso à internet e cobram por hora pelo serviço, viabilizando assim o acesso à rede para a população de menor renda que ainda não pode ter um computador próprio, nem pagar pelo serviço de banda larga das companhias telefônicas. Criticadas por atuarem na informalidade como empresas e também por não manterem controle sobre os dados pessoais e o tipo de operações realizadas ali por seus clientes, as lan houses, entretanto, não podem continuar sendo avaliadas somente por esse lado.
Pesquisas recentes como a disponível no site http://www.cetic.br/ e dados do Ministério da Ciência e Tecnologia apontam que um universo de nada menos que 30 milhões de brasileiros só conseguem entrar na internet atualmente via essas salas de locação, que já são mais de 80 mil em todo o nosso território. Isso significa metade dos acessos totais à rede feitos no país, percentual que até o ano passado era de 30%. Só na maior favela do Brasil, a da Rocinha, no Rio de Janeiro, há mais de 150 lan houses funcionando hoje. E, ao contrário do estereótipo estabelecido, elas não são freqüentadas apenas por adolescentes em busca de videogames, músicas e sites de bate-papo.
Há trabalhadores adultos, universitários, donas de casa, policiais, que usam os computadores para fazer e enviar currículos, procurar emprego, fazer pesquisas e trabalhos escolares, montar planilhas para administrar o orçamento doméstico, consultar os dados da conta bancária e pagar contas via internet. Em muitos casos, ainda, as salas são o único local de encontro e lazer para jovens que moram em regiões sem nenhuma estrutura pública destinada a essa finalidade.
Noutros, o único ponto de acesso à internet do bairro ou de pequenos municípios do interior. A demanda é tanta que esses centros públicos de acesso pago atraem mais gente do que os telecentros, criados pelo governo e que, mesmo gratuitos, tiveram um crescimento de apenas 3% (de 3 para 6%) em 2007.
Uma das dificuldades é que eles são restritivos e impedem, por exemplo, que se jogue nos computadores. É preciso entender, no entanto, que as lan houses não competem com os telecentros, ao contrário, são aliadas em sua função de inclusão social e digital, enquanto eles não alcançam todos os lugares. Portanto, do ponto de vista dessa população e dos direitos iguais de que é detentora numa democracia, é um fenômeno positivo para o país. O problema maior agora está na legislação do setor, que é excessivamente restritiva, não levando em conta esse papel de inclusão das lan houses.
As leis atuais, por exemplo, as equiparam a casas de diversão ou de jogos, o que gera proibições como a abertura desse tipo de comércio a menos de 1 mil metros de qualquer unidade de ensino.
Como não somente escolas mas cursos de qualquer natureza são considerados como tal, há cada vez menos locais em que esses empreendedores conseguem se instalar. Outra conseqüência de tal classificação: elas são excluídas dos benefícios concedidos a microempresas e, caso tentem trocar de área, ficam sujeitas a autuação e cassação da licença.
Mas o Comitê Gestor da Internet, vinculado ao Ministério, anunciou que o governo estuda benefícios fiscais para o setor, como uma política pública de acesso à conexão em alta velocidade.
A idéia é fazer uma troca dos Postos de Serviços Telefônicos por infraestrutura de banda larga com as concessionárias. Já é um primeiro passo. É claro que também é preciso adotar regras de uso para o funcionamento desse tipo de casa. Especialmente, que protejam crianças e adolescentes.
A maior parte dos estados brasileiros já as providenciou, obrigando as lan houses a, por exemplo, criar e manter cadastros dos usuários, exigir documento de identidade no ato do cadastramento e sempre que forem fazer uso de computador, registrar a hora inicial e final de cada acesso, com a identificação do usuário e do equipamento por ele utilizado. Registros que devem ser mantidos por 60 meses e utilizados somente com autorização judicial. São avanços importantes, mas o que falta para esses estabelecimentos trazerem ainda mais pessoas para o mundo dos "com internet" é o reconhecimento desse papel essencial de complementação do poder público que eles desempenham e a conseqüente revisão da excessiva regulamentação, que hoje empurra o setor para a informalidade.
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