Da Revista ISTOÉ Independente
Na manhã da terça-feira 15, uma funcionária terceirizada postou, por engano, comentário irônico no Twitter oficial do Supremo Tribunal Federal: “Ouvi por aí. Agora que o Ronaldo se aposentou, quando será que o Sarney vai resolver pendurar as chuteiras?” A mensagem ficou pouco tempo no ar, mas gerou mal-estar em Brasília. O presidente do STF, Cesar Peluzo, desculpou-se com o presidente do Senado, José Sarney, e decidiu demitir a autora da frase. Sarney levou na brincadeira, disse que se sentiu lisonjeado ao ser comparado com o fenômeno do futebol, mas não conseguiu evitar a demissão. “Eu fiz o que pude”, explicou ele à ISTOÉ.
Apesar da boa vontade no episódio, Sarney, aos 80 anos, não consegue esconder a irritação com os comentários sobre sua idade e sua permanência à frente do Senado. “Não devo desculpas a ninguém por ter mais de 50 anos de vida pública. Sempre fui eleito com voto popular”, afirma. “Muita gente reclama. Mas tem que reclamar é com o Criador, não posso reclamar da minha vida longa.”
Criticado por estar tanto tempo no poder, o presidente do Senado afirma que chegou a mais de 50 anos de vida pública graças ao voto popular e defende a reforma política
Sarney acredita que passou a ser criticado desde que decidiu apoiar o presidente Lula, em 2002. “Lula representou um avanço extraordinário no Brasil. Fiquei feliz em apoiá-lo. Sou um homem de meu tempo. Queriam que eu fosse um velho decrépito?”, desafia o cacique maranhense, que também aposta no êxito da presidente Dilma Rousseff.
Sarney admite, porém, que o nível do Congresso hoje é muito baixo e sente saudades dos tempos em que debatia com Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e Marcos Freire. Responsabiliza a falta de consistência programática e ideológica dos partidos. “Os deputados são eleitos e 15 dias depois já não se recordam dos motivos pelos quais foram eleitos.”
Istoé -No seu discurso de posse, o sr. mesmo lembrou que é o senador mais longevo da história, ultrapassando Rui Barbosa. Não seria hora de parar?
Senador José Sarney - Muita gente reclama. Tem que reclamar é com o Criador. Não posso reclamar da minha vida longa. E ninguém pode interferir na vontade do Criador. Eu me lembro que o Arnaldo Niskier disse ao doutor Roberto Marinho, durante aniversário de 90 anos, que queria estar com ele nas comemorações do seu centenário. Ao que o Roberto Marinho respondeu: “Não limite a vontade do Criador.” Todos os cargos que eu exerci foram cargos eletivos.
Istoé -As pessoas, então, podem se preparar para o centenário de José Sarney?
Senador José Sarney - Isso não, porque nem eu quero viver 100 anos. Agora, ficam dizendo que eu cheguei à Presidência do Senado pela quarta vez. O Ranieri Mazzilli foi eleito sete vezes presidente da Câmara. Casa Legislativa tem a ver com experiência de dirigir. Desta vez, eu fui eleito por causa de um consenso na Casa. E isso me levou a aceitar.
Istoé -Mas o sr. gosta, não gosta?
Senador José Sarney - Não gosto. Até digo comigo mesmo: se tivesse que escolher entre ser escritor e político, eu escolheria ser escritor. Tanto que a maior alegria da minha vida não foi ser presidente da República. Foi ser presidente da Academia Brasileira de Letras.
Istoé -Mas se o sr. não gosta, então por que permaneceu, e ainda permanece, por tanto tempo na vida pública?
Senador José Sarney - Porque nem eu nem ninguém fazemos as coisas de que nós gostamos. O que gosto realmente é de ler e de escrever. Passei 25% da minha vida lendo.
Istoé -Durante a semana, o Twitter do STF usou o mote da aposentadoria de Ronaldo Fenômeno para perguntar “quando será que Sarney vai resolver pendurar as chuteiras”. O que o sr. achou do episódio?
Senador José Sarney - A moça foi até generosa me achando um fenômeno. Engraçado. Agora no Brasil a gente precisa pedir desculpas. Não devo desculpas a ninguém por ter mais de 50 anos de vida pública. Sempre fui eleito com voto popular. Tenho serviços prestados ao País. Combati Vargas, Juscelino e Jango. Só tive boas relações com Castelo Branco. No livro que será publicado sobre minha biografia, da jornalista Regina Echeverria, constam arquivos do governo Geisel em que eu era tido como subversivo.
Istoé -O que a sua mulher, dona Marli, acha disso tudo? Ela foi contra sua reeleição para a Presidência do Senado?
Senador José Sarney - Ela não queria que eu fosse mais presidente do Congresso. Até porque há muitos anos nos preparamos para deixar a vida pública. Mas nunca me deixaram. Sobre todos esses comentários a meu respeito, dona Marli tomou uma posição desde a época em que eu virei presidente da República. Não lê jornal nem revista.
Istoé -Essa sua biografia é consentida?
Senador José Sarney – É sim.
Istoé -O sr. não vai mandar apreender o livro, não, né?
Senador José Sarney - Não, não vou mandar apreender. Até porque eu cedi meu arquivo sem restrição. E me comprometi a não ler a biografia senão depois do livro concluído.
Istoé -Quais os livros que o sr. está lendo agora?
Senador José Sarney - As memórias de Humberto de Campos, a biografia de Winston Churchill e dois livros de ciência política sobre as ameaças ao estado de direito e a reação conservadora às políticas de bem-estar social, principalmente depois da queda das torres gêmeas em 2001. Um dos livros é ‘Algo Va Mal’, do historiador inglês Tony Judt, na edição espanhola, e o outro é ‘Indignez Vous’, do diplomata e militante político francês Stéphane Hessel. Na Segunda Guerra Mundial, Hessel foi da resistência francesa e é um dos autores da Declaração dos Direitos Humanos da ONU.
Istoé -A que o sr. atribui as críticas que tem recebido nos últimos anos?
Senador José Sarney - O que determinou tudo isso foi a minha adesão ao Lula. O Lula representou um avanço extraordinário para o Brasil. Melhorou a renda do povo mais pobre e trouxe paz social ao País. Fiquei feliz em apoiá-lo. Sou um homem de meu tempo. Queriam que eu fosse um velho decrépito? Não aderi a ninguém. Foi o Lula que foi em minha casa pedir meu apoio. Do mesmo modo que foi o Fernando Henrique que foi em minha casa pedir meu apoio. Em relação ao meu apoio ao Lula, a oposição ficou transtornada. E parte do PT também. Paguei por causa disso. Depois inventaram a história de que eu era o alicerce de sustentação ao Lula no Congresso. Em seguida, que só estava com ele por fisiologismo. Toda minha vida é marcada por um sentimento liberal e social. Na juventude, só não aderi ao partido comunista por causa da religião.
Istoé -A presidente Dilma precisou pedir seu apoio?
Senador José Sarney - Não precisou. Eu já estava engajado desde o início da campanha. Acredito que Dilma seja a continuidade sem continuísmo do governo Lula. Já está mostrando sua marca com maior rendimento no emprego dos recursos públicos.
Istoé -Uma das críticas mais frequentes ao sr. refere-se ao desenvolvimento do Maranhão. Sua família tem presença forte na vida maranhense, mas o Estado ainda é um dos mais pobres do País.
Senador José Sarney - É uma enorme injustiça que se faz. O Maranhão sempre foi um dos Estados mais pobres do País. Sempre teve terras pobres, sem recursos minerais. Na Colônia, nós nos destacávamos por vender índios e no Império por vender os escravos para trabalhar nos cafezais do Sul. Mas o avanço do Maranhão é extraordinário. Temos hoje o segundo porto do Brasil, com 110 milhões de toneladas, e a maior fábrica de alumínio do mundo. Rodovias e ferrovias cortam o Estado de norte a sul. Ninguém diz que é o 16º PIB do País. E foi a economia que mais cresceu no Nordeste no ano passado: 17%. Pobreza encontra-se em qualquer lugar do Brasil. Os índices da cidade de Registro, em São Paulo, são menores do que os nossos. Mas como sou político do Maranhão e tive a responsabilidade nacional que Deus me deu, todo mundo resolve criar esse pseudofato. Dei início à modernização de meu Estado com a chamada geração de poetas: eu, Ferreira Gullar e Bandeira Tribuzzi.
Istoé -Quais as questões fundamentais para essa nova legislatura?
Senador José Sarney - Temos que trabalhar, sobretudo, a reforma política. Porque, se não ocorre logo no primeiro ano, ela não é feita nos anos posteriores. O Brasil teve uma transformação muito grande. Teve avanços muito grandes no setor econômico e do ponto de vista social. Agora, quanto à classe política, que talvez seja o tripé em que se assenta o País, nós tivemos de certo modo uma estagnação e podemos até dizer um retrocesso.
Istoé -Um retrocesso?
Senador José Sarney - Muitas das instituições que temos no setor político remontam ao século XIX. O voto proporcional uninominal, por exemplo, não existe em lugar nenhum do mundo.
Istoé -O que choca nessa realidade é a questão de loteamento de cargos. Seu partido, o PMDB, não está se desgastando muito com isso?
Senador José Sarney - Tudo decorre do processo de escolha política. Aí nascem todos os problemas. Afloram as questões pessoais. Cada um quer se proteger, pensando na futura eleição, por isso a manutenção das suas áreas de influência. No caso do PMDB, acho uma injustiça. Todos os partidos exercem esse processo e esse método.
Istoé -Quando se fala no fisiologismo do PMDB e nas mudanças do setor elétrico, feitas pela presidente Dilma, atribuem ao sr. a indicação de Flávio Decat para a presidência de Furnas.
Senador José Sarney - Vou contar uma história muito elucidativa. Eu estava com a presidente Dilma e com o presidente da Câmara quando surgiu a questão do Flávio Decat. Disse para a presidente: “Estão dizendo que eu indiquei o Decat, a senhora está aqui presente e precisa dizer quem indicou. Foi a senhora que nomeou, pois trabalhou com ele há muito tempo, mas a imprensa diz que fui eu.” E o Marco Maia perguntou: “Mas não foi você, mesmo, quem indicou, não, Sarney?” Ou seja, são versões inverídicas que se criam e ganham essas proporções. Agora, conheço todo mundo no Brasil. Tenho muitos anos de vida pública. Admito que muitas vezes tive que escolher pessoas que hoje, depois de saber do desempenho, não escolheria de novo. Mas sempre procurei escolher os melhores.