POR JOSÉ REINALDO TAVARES
O Brasil está estarrecido com o que acontece aqui no Maranhão. Um dos jornalistas mais lidos do país, Lauro Jardim, da Veja, exprimiu com exatidão esse sentimento. O título da sua matéria na Veja online foi perfeito: 'Tem coisas que só acontecem no Maranhão'. Foi preciso, direto, irretocável. O país se estarrecia com a descarada tentativa de protelar e atrasar o julgamento do processo de cassação do mandato de Roseana Sarney pelos delitos que ela cometeu durante a campanha de 2010, em que desrespeitou toda a legislação eleitoral e quase quebrou as finanças do estado. Ela tentava manter-se no cargo após tomá-lo de Jackson Lago 'no tapetão'.
Para tentar evitar a cassação, o senador José Sarney conseguiu colocar no TRE pessoas da sua mais estreita relação, gestores de seus bens ou empregados indiretos do governo de sua filha, a ré. Isto é, pessoas que não tinham e não têm mínimas condições de votar contra Roseana, como acabaram de fazer novamente. Nesses casos o procedimento correto é se dar por impedido de julgar seus poderosos amigos. Mas, se eles foram colocados lá para isso, e só por isso, por que não atender amigos tão poderosos? É o Maranhão.Sarney, tempos atrás, mandou seus caríssimos advogados examinarem o processo para saber de sua consistência. A reposta o deixou assustado. Avisaram-lhe que, se o processo fosse a julgamento, significaria cassação certa. Se não quisesse correr riscos, que tentasse protelar o julgamento até que Roseana concluísse o mandato. O temor do julgamento, a partir daí, comandou as ações do senador.
E ele nem se importa que a repercussão dos seus atos possa escandalizar a nação. E tampouco se importa que essas ações afundem cada vez mais profundamente a sua tentativa de criar uma biografia minimamente favorável a si, já que a cada ato em que impõe à sociedade a sua força, tudo piora em relação a sua imagem. Entretanto, ele precisa mostrar aos maranhenses – e faz questão de mostrar isso – que é muito maior do que as instituições do estado, como a justiça. Em cada episódio, ele só confirma o que disse a revista inglesa The Economist. Referida publicação concluiu que aqui não existe democracia, pois o direito e a justiça não estão assegurados, quando se chocam com os desejos e necessidades da família oligarca. A revista chamou o Maranhão de estado medieval.
Essa história nos remete ao passado, principalmente o passado da região nordeste do Brasil, dominada pelos coronéis regionais e suas oligarquias que deram origem ao atraso da região. No livro 'Coronel, Coronéis' de Marcos Vilaça e Roberto Cavalcanti, ambos pernambucanos, sobre o apogeu e declínio do coronelismo no Nordeste, eles tratam com maestria o período em que a política do estado dependia de quatro coronéis: Chico Heráclio e José Abílio, ambos do Agreste pernambucano e Veremundo Soares e Chico Romão, do Sertão. Um dos mais fortes e influentes foi Chico Heráclio, que inclusive foi o primeiro a compreender o papel da imprensa e foi quase sempre muito bem tratado por ela, embora não fosse homem de muito estudo. O livro mostra uma visão sofisticada e complexa do mandonismo e da política em geral.
Vários casos são muito ilustrativos do poder dos coronéis do passado. E vale a pena reviver o caso famoso que envolveu o coronel Heráclio, na cidade de Limoeiro em Pernambuco: Em um aniversário da cidade resolveram fazer um jogo de futebol entre Limoeiro e Garanhuns. A rivalidade era grande e, dada a importância do evento que mobilizou a população, o coronel Heráclito, em pessoa, resolveu assistir à peleja.
Ele não conhecia o jogo, mas foi assistir e, para isso, providenciaram cadeiras de balanço para o coronel. Junto dele se sentaram o delegado, o juiz, o padre e todas as mais altas autoridades de Limoeiro. O jogo corria, quando, para evitar um gol de Garanhuns, o zagueiro do time de Limoeiro entrou com violência no atacante dentro da área e o juiz, incontinente marcou o pênalti. O povo não aceitou a marcação e correu atrás do juiz. Este, agoniado, caiu ao chão e a multidão o cercou. O coronel Heráclio levantou a bengala e a multidão parou em expectativa. O coronel exigiu explicações e o juiz explicou ao coronel que ele apenas cumpria a regra, que era a lei do jogo. Que em faltas dentro da área, perto da trave, tinha que ser batido um pênalti e para isso todos os jogadores tinham que se afastar para fora da área e ali só ficariam o goleiro de Limoeiro e o atacante de adversário. O coronel viu a gravidade do assunto, pois a marca do pênalti era muito próxima do gol, que tinha sete metros de largura, resguardado pelo goleiro sozinho, o que significava que Garanhuns iria ganhar o jogo e na circunstância agravante da presença do coronel.
Imediatamente o coronel Heráclio tranquilizou o juiz, in formando que ali se cumpria a lei e, portanto, a penalidade seria cobrada. Contudo, esta seria cobrada na outra área, conforme decidiu Chico Heráclio, ou seja, na de Garanhuns e quem iria bater era um jogador de Limoeiro. E assim foi, tudo dentro da lei, porque o coronel não admitia que esta se descumprisse... Limoeiro ganhou de 1x0.
Essa era dos coronéis não existe mais há muito tempo. Menos aqui no Maranhão, onde José Sarney incorpora Heráclio e todos os demais coronéis do Nordeste. O Maranhão é o único estado do país onde ainda manda um coronel e sua oligarquia. Como no passado, os coronéis tinham filhos e parentes deputados, juízes, prefeitos e muito prestígio e apoio do governo federal.
A lição de Heráclio foi muito estudada por José Sarney, que procurou logo formar um império de comunicações, pois eram novos tempos. No restante, as práticas são parecidas e, por isso, a revista inglesa que comentei acima classificou o senador do Maranhão de 'Coronel Eletrônico', mais modernizado.
Para que o Maranhão se livre de tudo isso, que para cá só trouxe atraso e poder para si, ainda restam alguns anos. Mas não passa de 2014.
Hoje a contribuição desse pessoal é só trazer vergonha e constrangimento ao Maranhão, tudo retratado nas terríveis estatísticas nacionais, que nos colocam em último entre todos os estados brasileiros. Mas como o Nordeste, o Maranhão ao se libertar desse jugo, crescerá rapidamente como já ficou demonstrado nos poucos períodos em que eles não governaram o estado.
E só para confirmar todo esse mandonismo, a oligarquia, eles mesmos, querem que a população acredite que a saúde do estado melhorou. E é fácil ver que na verdade a saúde que o governo oferece à população é uma das piores do país. Para verificar isso, basta ir ao Piauí, nosso vizinho estado, tão ou mais pobre que nós. O que se faz lá em matéria de saúde não tem termo de comparação com o descalabro daqui...
Para concluir, chegaram a mim informações de que na Emap, apenas dois blogs possuem acesso proibido quando se intenta acessá-los pela rede da empresa: o meu e o do jornalista Cunha Santos. Além do absurdo da medida oligárquica, eles acham que meu blog é muito perigoso para seus funcionários. O Jornal Pequeno e todos os blogs associados são permitidos, menos esses dois. Que clima...
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