JORNAL PEQUENO
POR OSWALDO VIVIANI
Em artigo publicado ontem (23) no jornal O Estado do Maranhão, de sua família, o presidente do Senado José Sarney (PMDB-AP) mostrou-se irritado com a repercussão negativa da estatização da Fundação José Sarney, aprovada a “toque de caixa” pela Assembleia Legislativa maranhense na quarta-feira (19).
No artigo, intitulado “A burrice e a política”, Sarney chamou de “idiotas”, “burros”, “invejosos” e “ingratos” os críticos da estatização – medida que vai custar aos contribuintes do Maranhão ao menos R$ 1,1 milhão por ano (cerca de R$ 90 mil mensais).
Há um “injusto debate de alguns idiotas sobre uma das maiores obras de amor e benemerência ao Maranhão que eu fiz: doar ao povo do Maranhão um patrimônio”, disse o senador, que garantiu ter feito a “doação” ao povo maranhense “com grandeza, amor e desprendimento”.
“Vejo nessa reação, reunidos, todos aqueles defeitos que movem o ódio político: a inveja, a burrice e a ingratidão”, finalizou Sarney.
Segundo o projeto de estatização encaminhado à AL pela governadora Roseana Sarney (PMDB), filha do senador, e aprovado na quarta-feira, a Fundação José Sarney passará a se chamar Fundação da Memória da República Brasileira e terá o presidente do Senado como “patrono”.
Sarney terá direito a indicar dois dos 11 membros do Conselho Curador. Em caso de falecimento de Sarney, as duas vagas de sua cota seriam providas por indicação de seus herdeiros.
A estatização da Fundação José Sarney não vai extinguir os processos que correm na Justiça e nos órgãos controladores sobre desvios de recursos públicos estaduais e federais na entidade. Há processos contra a Fundação Sarney no Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA) e no Tribunal de Contas da União (TCU).
Os processos são resultado de ações impetradas pelos ministérios públicos Estadual e Federal (MPE e MPF) e de apurações da Controladoria-Geral da União (CGU).
Veja a íntegra do artigo de José Sarney publicado em seu jornal ontem:
A burrice e a política
José Sarney
Um dia, estava com Tancredo Neves e descontraidamente conversávamos sobre a política, as suas vicissitudes, suas amarguras e seu potencial gratificante. Perguntei-lhe se ele tivesse de arrolar três virtudes que deviam ter os políticos. Ele, com certo humor, me respondeu: “Sarney, para mim acho que as sete primeiras são paciência, as outras três você pode escolher como quiser”. Rimos juntos e fiquei logo certo de essas primeiras sete eu possuía demais e muitas vezes fui criticado por essa conduta.
Quando eu era presidente da República, em momentos difíceis, me aconselhavam a dar um “murro na mesa”. Eu respondia com paciência que havia dois perigos nessa atitude: ou quebrar a mesa ou quebrar a minha mão. Fui visitar Jânio Quadros quando estava muito doente, com grande dificuldade de levantar-se. Ao me saudar, sem perder aquela teatralidade que marcava seus gestos me disse: “Jô!, Jô! Jô!, não é Sarney. Nunca vi tanta tolerância e paciência”.
Mas políticos encontramos de todos os tipos. Uns são bons, outros são maus. Mas não devemos julgar os políticos somente por estes, numa generalização deformada. Em geral, os maus políticos começam pela burrice e a burrice embota. Talvez este seja o menor defeito de um mau político. Este não depende do caráter nem de qualquer formação moral. Podemos dizer ser um defeito físico de nascença, assim como um pescoço torto. São burros e pronto! E não há nenhum milagre que cure a burrice. Eu sempre brinco que Jesus fez todos os milagres: fez cego ver, morto ressuscitar, aleijado andar, mas em nenhuma passagem do Evangelho há uma de que Cristo tenha transformado um burro em inteligente.
Piores são os defeitos do ódio, da inveja, da maldade, da indignidade, da mentira, da desonestidade e o maior de todos, aquele que Santo Agostinho dizia ser o mais abjeto: a traição. E foi um poeta, Valéry, não foi um santo nem um político, que disse ser a mais repugnante das atividades humanas, a política “porque lida com a ingratidão”. Shakespeare, na tragédia de Macbeth, tem uma passagem em que ele diz “que a ingratidão é uma fúria com o coração de pedra”. Já Sartre com sua irreverência reagia com revolta dizendo que “quem mexe com política está sempre com a mão na m…”
Porque estas reflexões? É assistir o injusto debate de alguns idiotas sobre uma das maiores obras de amor e benemerência ao Maranhão que eu fiz: doar ao povo do Maranhão um patrimônio, que os outros presidentes venderam, do meu valioso arquivo de mais de um milhão de documentos, três mil peças de museu de obras de arte e uma biblioteca de mais de 30.000 livros, muitos raríssimos que acumulei ao longo de minha vida. E o fiz com grandeza, amor e desprendimento.
Mais de cem mil pessoas, com presença registrada no livro de visitas, passaram na Fundação José Sarney, ponto de turismo e estudo da História do Brasil.
Vejo nessa reação, reunidos, todos aqueles defeitos que movem o ódio político: a inveja, a burrice e a ingratidão.
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