POR OSWALDO VIVIANI
O projeto de lei que estatiza a Fundação José Sarney – enviado à Assembleia Legislativa do Maranhão no fim da semana passada pela governadora Roseana Sarney (PMDB) – foi aprovado ontem (19). Apenas oito dos 42 deputados votaram contra o projeto, que na prática transfere para os contribuintes maranhenses o ônus de custear a entidade que leva o nome do presidente do Senado, pai da governadora. Com ampla maioria na AL, o governo conseguiu aprovar o polêmico projeto “a toque de caixa”, sem qualquer debate sobre algumas lacunas importantes. O projeto não esclarece, por exemplo, o que vai ocorrer com o quadro funcional da entidade nem quanto vai custar aos cofres públicos manter a Fundação.
A aprovação do projeto roseanista veio um dia depois que um pedido de vista, feito pelos deputados Rubens Pereira Júnior (PC do B) e Carlos Alberto Milhomem (DEM), adiou a votação na Assembleia por 24 horas.
A Mesa Diretora colocou o projeto em votação em regime de urgência
Votaram contra o projeto os deputados Marcelo Tavares (PSB), Rubens Pereira Júnior (PC do B), Bira do Pindaré (PT), Luciano Leitoa (PSB), Cleide Coutinho (PSB), Neto Evangelista (PSDB), Gardênia Castelo (PSDB) e Eliziane Gama (PPS).Desvio de dinheiro público – A Fundação José Sarney – abrigada no Convento das Mercês, localizado no Desterro (bairro central de São Luís) – passa por dificuldades financeiras desde que foi envolvida em irregularidades, em 2009, após ser constatado o desvio de dinheiro de patrocínio da Petrobras para o Grupo Mirante de Comunicação, pertencente à família Sarney.
No prédio da entidade, o presidente do Senado reservou um espaço (um jardim com chafariz) onde quer ser sepultado e ver erguido um mausoléu em sua homenagem. Tanto o Ministério Público Estadual como o Federal investigam o desvio de recursos federais na Fundação Sarney.
O texto do Projeto de Lei Nº 259/2011, que transforma a Fundação José Sarney em “Fundação da Memória da República Brasileira”, foi publicado na edição de segunda-feira (17) do Diário da Assembléia.
No texto, a governadora Roseana Sarney afirma que entidade terá “natureza jurídica pública” e será inserida na administração do Estado como “sucessora da atual Fundação José Sarney”.
“Lamentavelmente, a história da Fundação tem sido marcada por constantes crises financeiras”, diz a governadora, alegando que “sem fontes públicas de financiamento”, a fundação do pai – presidida atualmente por um velho amigo de Sarney, Joaquim Itapary – está se sustentando com “assistemáticas contribuições de cidadãos e empresas privadas.”
Como as verbas são “insuficientes” para o custeio da fundação, Roseana invoca o parágrafo 2o do artigo 216 da Constituição Federal: “Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.”
Roseana informa, ainda, que “o senhor José Sarney transferirá para o patrimônio da nova entidade todos os bens de sua propriedade “que se encontram na fundação.”
Pede que a proposta seja analisada pelos deputados a toque de caixa, em regime de “urgência”.
Segundo o projeto da governadora, ao ser estatizada a Fundação passaria a ser vinculada à Secretaria de Educação do Estado (Seduc).
Num dos trechos do projeto, é estabelecido que “a nova fundação terá como patrono o intelectual e político o maranhense José Sarney, ex-governador do Maranhão, membro da Academia Brasileira de Letras e ex-presidente da República.”
Entre os objetivos da entidade, são listados “a guarda, preservação, organização e divulgação dos acervos documentais, bibliográficos, iconográficos e artísticos do patrono da Fundação”.
No parágrafo 4o do artigo 3o, o projeto roseanista passa ao Tesouro estadual a responsabilidade pelo custeio da Fundação Sarney: “O Poder Executivo incluirá na proposta orçamentária de cada exercício […] dotação suficiente para as despesas correntes e de capital necessárias ao cumprimento das finalidades da fundação [...]”.
O artigo 5o da proposta trata da composição do Conselho Curador da fundação. Terá 11 membros, dois dos quais indicados “patrono” José Sarney.
O projeto prevê até o que será feito “em caso de falecimento” de Sarney: as duas vagas de sua cota seriam providas “por indicação dos herdeiros e/ou sucessores do patrono.”
O artigo 9o estabelece: “Os servidores da Fundação da Memória Republicana Brasileira serão regidos pelo Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado do Maranhão.”
Não há menção a concursos públicos. Fica subentendido que os atuais servidores da Fundação Sarney serão abrigados na folha salarial do Estado.
(Com informações dos blogs dos jornalistas Josias de Souza e Raimundo Garrone)
Deputados da oposição criticam estatização
Sem força para barrar o projeto que obriga os contribuintes maranhenses a arcar com os custos da Fundação José Sarney, restou aos parlamentares da oposição apenas criticar a estatização da entidade.
O deputado Marcelo Tavares observou que outros ex-presidentes, como Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, também criaram fundações com seus nomes, mas, diferentemente da que leva o nome de José Sarney, ambas são financiadas com recursos privados.
O deputado Rubens Júnior se deteve na inconstitucionalidade do projeto, como as vagas cativas de dois membros curadores, indicados por José Sarney e seus herdeiros.
“O projeto de lei prevê, em algumas passagens, algo não visto sequer no período da Monarquia. A indicação ficará ao cargo do patrono ou dos seus herdeiros. Está criada aí uma verdadeira capitania hereditária no estado do Maranhão”, disse o comunista.
Já o deputado Bira do Pindaré (PT), em discurso no plenário da Assembleia Legislativa, na manhã de terça-feira (18), classificou o projeto de estatização da Fundação Sarney de “iniciativa absurda e ofensiva à Constituição Federal e ao princípio da impessoalidade”.
“Como é que se quer criar uma Fundação e instituir como patrono uma pessoa viva, que é o presidente do Senado, José Sarney? Nós não podemos concordar com isso. Podia ser o Pelé, podia ser o papa, podia ser a pessoa mais consensual que existisse no mundo, mas a Constituição não permite que a gente possa associar uma instituição pública, como se propõe criar, a uma pessoa viva”, afirmou Bira. (OV)
Nota do Governo do Estado
Em nota, o Governo do Maranhão informou que a Assembleia Legislativa aprovou, na manhã desta quarta-feira (19), o Projeto de Lei n° 259/2011 que autoriza o Poder Executivo a instituir a Fundação da Memória Republicana Brasileira.
Com base no parágrafo 2º do Artigo 216 da Constituição Federal (segundo o qual “cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem”), a entidade passa a ser vinculada à Secretaria de Estado da Educação (Seduc).
Sem fins lucrativos, a Fundação é dotada de autonomia administrativa, financeira e de patrimônio próprio, tendo como patrono o ex-governador do Maranhão, membro da Academia Brasileira de Letras e ex-presidente da República Federativa do Brasil José Sarney.
Como finalidade maior, estão elencadas, entre outros, a pesquisa e o registro de fatos da História do Brasil e do Maranhão; o estudo e o debate dos problemas brasileiros, em especial dos maranhenses; a defesa, a preservação e a divulgação do patrimônio histórico e cultural, material e imaterial, do povo brasileiro, das nações íbero-americanas e lusófonas, e a promoção da amizade e do intercâmbio cultural entre seus povos.
O patrimônio inicial da Fundação será constituído mediante a doação, a transferência e a recepção dos bens e direitos da atual Fundação José Sarney (entidade civil de direito privado registrada sob número 6.979 no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, da Comarca de São Luís, inscrita no CNPJ-MF sob nº 35101500/0001-02), e por aqueles doados pelo Estado ou por outras pessoas de direito público e privado.
Secretaria de Comunicação
Governo do Estado
Sobre a Fundação da Memória Republicana Brasileira
O gabinete do senador José Sarney distribuiu nota, ontem à noite, a propósito da aprovação do projeto do Executivo que estatiza a Fundação José Sarney. Eis a íntegra da nota:
“A doação do acervo da agora extinta Fundação José Sarney ao Governo do Estado do Maranhão permitirá que continuem acessíveis aos maranhenses e aos brasileiros documentos, objetos de artes, livros, discos, fotografias e fitas que compõem parte importante da história do Brasil atual, sem nenhuma conotação de culto a personalidade, mas de resgate e preservação da memória republicana.
O Governo do Estado, com a criação de uma nova Fundação – Fundação da Memória Republicana Brasileira –, fará com que estes bens não saiam do Maranhão, diante do compromisso do senador José Sarney de doar ao Estado todo o acervo que, com a extinção da Fundação José Sarney, voltaria ao seu patrimônio pessoal.
Esse acervo é de valor inestimável, composto por cerca de 1.100.000 documentos históricos, 4.973 peças constituídas por obras de arte, relíquias, todos os presentes recebidos no exercício da Presidência da República e outros que acumulou ao longo da vida, além da biblioteca pessoal de 25.000 volumes, que estão à disposição do povo maranhense. A simples extinção da Fundação José Sarney obrigaria a transferência do acervo a outras instituições fora do Maranhão, que já manifestaram desejo de recebê-lo.
Outra conseqüência seria o desaparecimento de um ponto importante de visitação, eventos culturais e estudos históricos, com uma frequência anual de mais 135.000 visitantes.
A providência tomada pelo Governo do Estado atende aos seus críticos, recebendo o imóvel que incorporou e outros que foram adquiridos, além da doação que fez o senador Sarney de seu acervo pessoal, fruto de mais de 60 anos de trabalho. Os documentos ali guardados são patrimônio cultural brasileiro, conforme a Lei 8.394/91, e estão sob a proteção constitucional do Estado”.
Brasília, 19 de outubro de 2011
Gabinete do Senador José Sarney
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