sábado, 30 de outubro de 2010
Erenice Guerra usou carta de Dilma para favorecer empresa onde o marido atuava
ELVIRA LOBATO e MARIO
CESAR CARVALHO
Da Folha de S. Paulo
Erenice Guerra usou uma carta enviada à então titular da Casa Civil, Dilma Rousseff, para pressionar a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) em 2007 em favor da Unicel Telecomunicações. O marido de Erenice, José Roberto Campos, era consultor da empresa.
Em janeiro de 2007, o presidente da Unicel, José Roberto Melo e Silva - padrinho de casamento de Erenice e Campos - mandou uma carta para Dilma com graves acusações à Anatel.
Erenice, que era secretária-executiva da Casa Civil, mandou cópia da carta ao então presidente da Anatel, Plínio Aguiar Júnior, e cobrou explicação urgente.
O empresário acusava a comissão de licitação e a procuradoria da Anatel de mentirem à Justiça Federal, de vazarem informações para empresas de fora da licitação e de coagirem o advogado da Unicel, Gabriel Laender - que depois foi nomeado assessor na Casa Civil.
A empresa tentava obter concessão para oferecer telefonia celular na Grande São Paulo, numa licitação iniciada pela Anatel, em 2005. Foi a única a apresentar proposta, mas depositou garantia aquém da exigida no edital - R$ 930 mil em vez dos R$ 9,3 milhões, graças a uma liminar obtida na Justiça.
A pressão da Casa Civil na Anatel, agora comprovada por documentos obtidos pela Folha de S. Paulo, foi relatada em setembro pela revista Veja.
Começou uma disputa judicial que levou a Anatel a cancelar a licitação. Quando a acusação do empresário chegou à Casa Civil, no dia 17 de janeiro de 2007, a licitação havia sido retomada. A empresa ganhara, em segunda instância, o direito de completar a garantia exigida.
A carta foi escrita um dia depois de a comissão de licitação adiar a abertura da proposta de preço, para averiguar pontos da garantia oferecida pela Unicel. A Intec, empresa que estava fora da licitação, alegara que a garantia estava vencida. O presidente da Unicel diz desconfiar que a Anatel iria beneficiar outra empresa, caso a disputa fosse anulada.
Na carta a Dilma Rousseff, o presidente da Unicel diz que o Brasil estava “a ponto de perder US$ 1 bilhão em investimentos”, por culpa da Anatel, e que a agência tinha uma burocracia “capturada e descomprometida com os interesses do país”.
O empresário acusou a Anatel de abuso de poder e de ter “propósitos escusos”. A carta deixa claro que ele discutiu a questão previamente com a assessoria da Casa Civil antes de enviar as denúncias à ex-ministra.
‘Repulsa’ – A ingerência da Casa Civil criou um clima de revolta na Anatel. “É com total repulsa que esta CEL [Comissão Especial de Licitação] analisa o texto narrado na correspondência da Unicel”, diz o relatório remetido à Casa Civil, também obtido pela Folha.
A comissão de licitação era formada por três gerentes e um advogado da União. Ela alegou, em sua defesa, que a Lei Geral de Telecomunicações exige depósito de garantia de 10% nas licitações da Anatel, e que a Unicel teria mentido à Justiça ao dizer que a agência teria de cumprir a Lei das Licitações, que estabelece garantia de 1%.
Para o ex-conselheiro da Anatel José Leite Pereira Filho -que ocupou o cargo de novembro de 1997 a novembro de 2007 -, houve interferência indevida de Erenice Guerra, o que “causou mal-estar em pessoas sérias” da agência, como disse à Folha.
Sem ter experiência num mercado dominado por grandes corporações, a Unicel ganhou o direito de explorar telefonia celular no maior mercado do país - a Grande São Paulo. Hoje a empresa está em estado pré-falimentar.
Segundo o conselheiro, era visível que a Unicel não teria capacidade financeira para implantar a telefonia celular em São Paulo, como se provou mais tarde.
Empresa sumiu – A Unicel, empresa que ganhou o direito de explorar concessão de telefonia em São Paulo no valor de R$ 93 milhões, virou fantasma.
Já teve sua falência pedida duas vezes, tem 115 títulos protestados por falta de pagamento, 439 pendências com empresas como a Eletropaulo e é impossível recarregar o chip de celular da operadora que ela criou, a Aeiou.
A empresa foi despejada por falta de pagamento do endereço que consta na Receita Federal, na Vila Madalena. Fiscais da Anatel não conseguem localizá-la.
A Unicel tem hoje meia dúzia de funcionários, segundo profissionais. Trabalham em casa, via computador
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