segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Denúncias de contas ilegais no exterior viram problema para clãs Sarney e Murad


EVASÃO DE DIVISAS


Existem indícios de que há quase duas décadas integrantes das duas famílias transferem dinheiro, ilegalmente, do Brasil para contas secretas em bancos do exterior


POR OSWALDO VIVIANI


Depois da revelação, na semana passada, pelo jornal O Estado de São Paulo, de que a governadora Roseana Sarney Murad (PMDB) simulou um empréstimo de R$ 4,5 milhões para “lavar” 1,5 milhão de dólares que possuía num banco suíço, fato desmentido por ela em nota encaminhada ao jornal paulista, já são cinco os integrantes dos clãs Sarney e Murad suspeitos de terem contas secretas no exterior. Jorge Murad (marido de Roseana), Fernando Sarney (irmão da governadora), a mulher deste, Teresa Murad Sarney, e até o sempre cuidadoso José Sarney (PMDB-AP) também viram ser exposta à luz, em menos de dois anos, pela imprensa ou por órgãos investigativos, a ponta de um iceberg de divisas evadidas do país.

Ter dinheiro no exterior não é crime, desde que devidamente declarado à Receita Federal. Existem indícios de que ao menos desde 1993 integrantes da família transferem dinheiro, ilegalmente, do Brasil para bancos do exterior. Relembre o que já foi divulgado sobre as contas secretas de membros das duas famílias.Ter dinheiro no exterior não é crime, desde que devidamente declarado à Receita Federal. Existem indícios consistentes de que ao menos desde 1993 integrantes da família transferem dinheiro, ilegalmente, do Brasil para bancos do exterior. Relembre o que já foi divulgado sobre as contas secretas de membros das duas famílias.

Fernando Sarney e Teresa Murad
Em janeiro de 2009, o Jornal Pequeno divulgou em primeira mão que Fernando José Macieira Sarney e Teresa Cristina Murad Sarney – donos do Sistema Mirante de Comunicação – mantinham contas no exterior não declaradas ao Fisco. A comprovação do crime financeiro foi obtida pela Polícia Federal, por meio de “grampos” telefônicos e interceptações de e-mails do casal, no bojo da Operação Boi Barrica (rebatizada Faktor). O JP teve acesso ao inquérito.

Em julho de 2009, Fernando seria indiciado por quatro crimes: formação de quadrilha, gestão de instituição financeira irregular, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Em maio último, ele sofreu o quinto indiciamento, exatamente por evasão de divisas. Teresa Murad não foi indiciada por evasão de divisas, mas responde por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e crime contra o sistema financeiro.

Na reportagem de janeiro de 2009, o JP revelou que Fernando Sarney, sua mulher e seus amigos (ex-colegas de faculdade do empresário) movimentavam contas ilegais na China, nos Estados Unidos e num “paraíso fiscal” das Bahamas. Segundo a PF, as contas ilegais dos donos da Mirante poderiam ter o objetivo de sonegar impostos ou alimentar “caixas 2” das campanhas eleitorais de integrantes da família Sarney (ou as duas coisas).

Num dos vários e-mails interceptados pela Polícia Federal, Teresa Sarney informa a uma pessoa identificada como Zoca (duailib@hotmail.com) sua conta no exterior para o depósito de mil dólares: “Zoca, a conta para depósito dos mil dólares é essa: Wells Fargo Bank, Account # 6016793382 Routing 121042882. Vê com Rodrigo se falta algum dado e qualquer coisa me avisa. Quando ele chegar aqui pagamos diretamente pra ele. Bjs.”. O Wells Fargo tem sede em San Francisco (estado da Califórnia, costa oeste dos Estados Unidos).

Além desse e-mail, a PF obteve a cópia de uma autorização, assinada por Fernando Sarney, para transferir um milhão de dólares de uma conta no Caribe para outra num banco de Qingdao, na China.

A remessa, não declarada à Receita Federal, teve como destino a conta da empresa Prestige Cycle Parts & Accessories Limited, que pelo nome, em inglês, seria uma empresa de peças e acessórios de bicicletas. Antes de chegar à China, o dinheiro transitou por bancos de Nova York.

Os investigadores também interceptaram mensagens eletrônicas nas quais o empresário Gianfranco Perasso (membro ativo do “esquema Fernando Sarney”, segundo a PF) faz referência a um pagamento de 26,6 mil dólares feito à empresa Morgan & Morgan, com sede no Panamá. A M&M é um escritório especializado em gerenciar empresas terceirizadas que atuam em outros países (offshores), particularmente em “paraísos fiscais”.

Gianfranco Perasso ainda teve interceptado pela PF um e-mail em que ele trata de um depósito feito no banco Credit Suisse, localizado em Nassau, nas Bahamas, notório abrigo de empresas que querem fugir do Fisco.

Em março passado, uma conta de US$ 13 milhões de Fernando Sarney foi bloqueada na Suíça pelo governo daquele país. Os depósitos foram rastreados a pedido da Justiça brasileira, dentro de uma série de ações que são desdobramentos da Operação Boi Barrica.

O bloqueio ocorreu quando Fernando tentava transferir recursos daquele país para o principado de Liechtenstein, conhecido paraíso fiscal entre a Áustria e a Suíça.

Nem Fernando Sarney nem seus advogados quiseram se manifestar sobre esses casos, alegando que o inquérito corre sob segredo de Justiça.

Roseana Sarney e Jorge Murad

O primeiro indício do envolvimento do casal Roseana Sarney/Jorge Murad com evasão de divisas e lavagem de dinheiro aconteceu com a apreensão, pela Polícia Federal, de 20 computadores e milhares de documentos feita no segundo semestre de 2001no escritório da empresa A.C. Rebouças & Consultores, em São Luís.

Segundo a PF, a A.C. Rebouças era a “lavanderia” de dinheiro dos negócios escusos de Jorge e Roseana, donos da empresa Lunus, onde em 1º de março de 2002 seria encontrada pela PF a dinheirama até hoje inexplicada de R$ 1,34 milhão.

As offshores criadas pela A.C. Rebouças, seis no total, tinham sede nas Ilhas Virgens e no Uruguai, mas seus fundos eram administrados na Suíça. Todas estavam em nome de “laranjas” de Aldenor Cunha Rebouças, proprietário da A.C. Rebouças, que tinha antiga relação de amizade com a família Murad.

A exemplo do banco UBS, revelado pelo “Estadão” na semana passada, outro banco suíço já havia aparecido na vida de Roseana Sarney e Jorge Murad. Foi em março último, quando um ex-diretor da filial das Ilhas Cayman do Julius Bär Bank lançou o livro “Bankenterror” (“Terror Bancário”).

Na obra, o autor Rudolf Elmer afirma que Roseana Sarney era uma das clientes do banco e o nome de sua conta era “Coronado”. Já o site independente Wikileaks vai mais além. Diz que a conta “Coronado” no Julius Bär estava em nome de Roseana e Jorge Murad, que foi aberta em 27 de setembro de 1993 e que por ela passaram US$ 150 milhões até 1999.

Finalmente, na edição de domingo passado (15), o jornal O Estado de S. Paulo publicou que documentos que estão nos arquivos do falido Banco Santos indicam que Roseana Sarney e Jorge Murad, simularam um empréstimo de R$ 4,5 milhões, em nome da Bel-Sul Administração e Participações Ltda (uma das empresas do casal) para resgatar US$ 1,5 milhão que possuíam no banco suíço UBS.

A “manobra financeira” foi realizada em julho de 2004, quatro meses antes de o banco quebrar – a instituição passa por intervenção judicial até hoje. O dono do banco era Edemar Cid Ferreira. Amigo íntimo da família Sarney, Edemar foi padrinho de casamento de Roseana e Jorge, assim como estes são padrinhos do casamento do ex-banqueiro.

“Lavado”, o dinheiro foi, segundo os documentos, investido na compra de participações acionárias em dois shoppings, um em São Luís [São Luís Shopping] e outro no Rio de Janeiro. O Banco Santos teria servido apenas como ponte para Roseana e Jorge Murad usarem os dólares depositados lá fora. É o que o mercado financeiro batiza de operação “back to back”.

Roseana e Jorge não se manifestaram após a publicação na imprensa dos casos AC Rebouças e Julius Bär.

Em relação à reportagem publicada pelo “Estadão”, o casal informou ao jornal, por meio de seu advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, que desconhecem a operação financeira no exterior e que o empréstimo foi regular no Brasil. “Eles [Roseana e Jorge Murad] desconhecem a existência desses documentos sobre recursos no exterior. Esse é um problema que o banco tem de explicar. O empréstimo foi regular e quitado. Essa história é fantasiosa”, disse Almeida Castro.

Roseana contesta matéria do ‘Estadão’ e fala em denuncismo

A governadora Roseana Sarney, candidata à reeleição pela coligação “O Maranhão Não Pode Parar”, contestou assim a matéria publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, a respeito de uma transação bancária feita há seis anos:

“Requentam-se velhas e surradas denúncias na falta de denúncia nova. É de se lamentar que setores tradicionais da imprensa se prestem a esse serviço, mesmo sabendo que as pessoas estão atentas. Por que não questionaram isso antes? Por que só agora que estamos em pleno período eleitoral e eu sou candidata à reeleição? Por que requentar uma denúncia agora?”

Ela completou: “Infelizmente, pequena parte da política no Maranhão ainda é feita por pessoas adeptas do jogo sujo e imoral, do denuncismo barato e eleitoreiro. No passado me prejudicaram, mas desta vez será diferente. Meus advogados já estão preparando o documento jurídico necessário para levar os responsáveis à Justiça, em todos os níveis que forem necessários.”

Em nota, Roseana afirmou que O Estado de S. Paulo criou um fato em cima de uma operação bancária normal. “Um empréstimo contraído e pago às claras, com todos os papeis que o tipo de transação requer. É de um oportunismo sem igual querer se valer disso para repetir velhas fórmulas visando confundir a opinião pública. Das vezes anteriores eles nos acusaram, nunca provaram nada e ficou por isso mesmo. Agora vamos reagir e exigir que se explique o verdadeiro sentido dessa manobra”.

“O empréstimo contraído e pago legalmente é fato, e os desdobramentos sugeridos pelo jornal são suposições passadas aos leitores de jornal em formato de um escândalo. A intenção evidente é confundir com o intuito de atingir minha honra e assim causar um dano político para a minha campanha, já que estamos em pleno período eleitoral e todas as pesquisas me dão uma liderança tranqüila na disputa pelo cargo de governador do Maranhão. Sem dúvida, repito, tem todo o perfil de uma ação encomendada”, disse Roseana.
José Sarney

Sobre supostas remessas ilegais de dinheiro ao exterior por parte do presidente do Senado, José Sarney, durante muito tempo o assunto ficou mais no campo da lenda – como a que apontava um engenheiro da Sabesp, Tauzer Garcia Quinderé (morto aos 50 anos, em 1982), como o “homem da mala”, que teria transportado as “economias” de Sarney do Brasil para a Suíça na década de 1970 e início da de 1980.

No entanto, em julho do ano passado, a revista Veja noticiou o que todos suspeitavam, mas ninguém ainda havia comprovado: Sarney teve conta no exterior não declarada entre 1999 e 2001.

De acordo com a publicação – que teve acesso a documentos do Banco Central, recolhidos por auditores e pela Polícia Federal, durante a intervenção no mesmo Banco Santos que agora aflige Roseana Sarney –, a movimentação financeira clandestina estava sob os cuidados de Vera Lúcia Rodrigues, secretária do então controlador do banco, Edemar Cid Ferreira.

Em 30 de outubro de 1999, a conta atribuída a Sarney (identificada como JS) registrava saldo de R$ 1,7 milhão depositado no exterior. A movimentação também mostraria uma coincidência de datas e depósitos, em junho de 2001: logo depois de uma viagem de Sarney e Edemar a Veneza, na Itália, onde o banqueiro teria entregue US$ 10 mil ao presidente do Senado, a secretária registrou essa remessa no histórico da conta.

Nos registros internos do Banco Santos, a movimentação da conta “JS” é atribuída ao senador porque os endereços e os contatos (secretárias em Brasília, São Luís e Macapá) são todos ligados a Sarney.

Sarney e Edemar Cid Ferreira disseram desconhecer os papéis em poder dos auditores do BC. O senador afirmou que não manteve recursos fora do país nesse período (entre 1999 e 2001).

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