Há dois meses que não escrevia aqui neste espaço. Têm sido tempos de intenso luto: recolhimento, meditação e uma dor profunda, que rasga a alma e me acompanhará até o último dia da minha vida. Vivenciando esse luto pelo meu filho Marcelo, tenho todas as razões para mais uma vez me solidarizar com a família do jornalista Décio Sá, com seus amigos e colegas de profissão. Para além de análises sobre seu papel político ou sua conduta profissional, há algo muito maior agora: um ser humano foi assassinado, e nada justifica tamanha violência.
Existe uma identidade entre o meu filho Marcelo e Décio: tiveram mortes totalmente evitáveis, que não foram meras contingências da vida. Marcelo foi vítima de um hospital com péssima gestão e de profissionais negligentes; Décio foi vítima dos crimes de pistolagem, que matam tantos há tantos anos, alimentados pela corrupção, pela impunidade e pela cumplicidade de figuras poderosas.Quanto aos hospitais, não podemos mais assistir a mortes dentro de lugares feitos para salvar vidas. No dia 14 de fevereiro, Marcelo Dino morreu no hospital Santa Lúcia, em Brasília, cidade onde trabalho como presidente da Embratur, no governo federal. A investigação da Polícia Civil já demonstrou sucessivos erros que tiraram o direito do meu filho a cumprir integralmente esta dimensão da sua vida. Hoje o sinto vivo comigo, e sei que Deus o acolhe, mas a cada dia derramo lágrimas pela carência dos seus abraços e beijos, pela falta da sua voz doce, pelo silêncio da sua guitarra, por não ler mais no Twitter seu entusiasmo pelo Flamengo, por saber que nossa família e seus amigos de escola sofrem por ele.
Os crimes que levaram Marcelo não foram de responsabilidade exclusiva dos profissionais que ali estavam para socorrê-lo e não o fizeram corretamente. A morte de meu filho foi, acima de tudo, derivada de um sistema privado de saúde movido pelo lucro a qualquer custo. A ganância dessas empresas, planos de saúde e hospitais, desumaniza a saúde, transforma pessoas em estatísticas e mortes em meros “riscos do empreendimento”.
A cada dia que o sol se levanta e jornais estampam mortes trágicas, fica mais claro que, além de um sistema público de qualidade, falta também uma melhor fiscalização do Estado sobre os hospitais privados. Nesta semana que passou, levei esse debate para a Câmara dos Deputados e para o Conselho Nacional de Justiça. Já estive na Agência Nacional de Vigilância Sanitária e no Ministério Público do Trabalho, e não irei parar, extraindo forças da imensa coragem que Marcelo sempre teve.
Quanto ao caso do Décio, irei continuar com todo vigor a luta por uma nova política em nosso Estado, sem oligarquias patrimonialistas, com pleno respeito aos direitos humanos e sem crimes de pistolagem contra ninguém, “famoso” ou “anônimo”.
O passo imediato depende do atual sistema de segurança pública do governo do Estado, de quem esperamos eficiência nas investigações do caso do jornalista Décio Sá e de demais crimes de pistolagem praticados nos últimos anos – vitimando trabalhadores, policiais, prefeitos, empresários. Conheço os profissionais das nossas Polícias e sei que são capazes de tão importante tarefa, bastando que tenham apoio e incentivo.
Na semana passada, a presidente Dilma disse em discurso que quer fazer do Brasil o sexto melhor país do mundo em qualidade de vida, não apenas na economia. Neste novo Brasil com hospitais melhores e sem crimes hediondos, que tenho fé que virá, muitos Marcelos estarão conosco, mantendo vivo o sorriso do meu amado filho (ainda que as lágrimas não cessem, como agora).
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